Amigos, há certas coisas que o tempo se encarrega de evanescer. A morte é uma delas, ainda que sua sombra paire sempre sobre nós. Ainda que a saudade jamais suma, por mais inerte que esteja.
Chico Anysio e Bussunda foram dois ícones do humor brasileiro. Mestres entre seus pares, geniais como só humoristas podem ser, eles se destacaram positivamente no cenário humorístico nacional. Chico foi um mestre para vários outros profissionais do humor. Bussunda, com seu jeito Shrek de ser, ajudou a transformar a Casseta Popular e o Planeta Diário em um programa semanal que marcou época: o Casseta e Planeta urgente.
Mas a vida não é infinita. Pelo menos neste plano. Assim, tristemente nos despedimos destes dois grandes homens (e não estou falando só das barrigas).
Foi então que, alguns dias atrás, vasculhando meus pertences, eis que encontro esta histórica entrevista. Chico Anysio estava equivocado em alguns pontos (Maria Paula foi incluída no grupo e os sete se tornaram seis), fatos que não diminuem em nada a importância da entrevista que disponibilizo agora no Apogeu. Ressalto que mantive a grafia da época, tal como está na entrevista original. Não há data especificada na entrevista, porém creio que ela foi publicada entre 2002 e 2003.
Divirtam-se. Sei que a saudade baterá, porém também sei que o sorriso estará presente durante toda a leitura.
Ah! Eu conheci as duas trupes (Casseta Popular e Planeta Diário) no meu período de ensino médio pelo Colégio Pedro II. Na época, eu e Jacó (apelido do meu grande amigo André Luis) escrevíamos o extinto Jornal do Mal e enviávamos o material para eles que, em troca, davam-nos algumas edições das revistas.
Dois barrigudos que se beijam
Bussunda é, dos sete Casseta, o
mais conhecido. Não que isso o torne mais talentoso ou importante que o
Madureira, o Hélio, o Reinaldo, o Beto ou o Hubert, porque no fim das contas
eles sete formam um time. Não há como desligar um dessa equipe, como é impossível
agregar um oitavo. Bussunda é carioca, flamenguista, humorista e, apesar disso
tudo, inteligente. O humor corre nas suas veias e salta nas suas palavras com a
mesma facilidade com que César Maia inventa uma obra. Mas por que Bussunda é,
dos sete, o que mais aparece, enfim...
O mais famoso? Sim. Por que, se
os sete têm chances iguais nos programas, nas revistas, nos livros, nas
camisetas, em tudo que produzem? Bastou conversar com ele num final de tarde
(um papo produzido pela revista Domingo) para que eu descobrisse: a beleza. Bussunda
ao sobressair-se dos outros seis dá uma demonstração de que Vinícius estava
certo quando dizia ser “a beleza fundamental”. Mesmo no humor. Ou principalmente
nele, modéstia à parte. Bussunda e eu temos muito em comum, principalmente na
parte entre o tórax e o púbis. Uma beleza que levamos na boa, sem o menor
orgulho. Entende? Uma coisa que a gente vai empurrando com a barriga.
Chico Anysio
O programa Casseta e Planeta
urgente vai ficar igual ano que vem?
Igual não, a gente sempre faz
pequenos ajustes. Aliás, a gente muda o programa o ano inteiro, vai
experimentando coisas novas, que quando dão certo são incorporadas. Outros quadros,
de menos sucesso, a gente tira. Todo mundo faz isso, não é? Quando voltarmos
das merecidas férias, vamos discutir o formato. Uma coisa não dá pra mudar: a
variedade, que é apontada por todo mundo como a melhor coisa. E o programa está
indo bem.
Tudo bem, mas sabe o que acho? Vou
dizer, embora vocês nunca tenham me perguntado. Vocês deviam se comportar o
mais sério possível. Quanto mais sério estiverem, mais engraçado fica. Quando você
coloca a roupa muito colorida, com chapéu e coisa e tal, fica rebarbativo, o
engraçado sobre o engraçado.
Você tem razão em parte. Mas isso é caso
a caso. A gente vai imitar o Sarney vestido de Sarney, certo?
Aí é diferente. Na imitação, faz
parte. No tempo do “Que disposição!”, do Itamar Franco, tudo bem. Mas o cara
que entrevistava o Itamar deveria fazer as perguntas, por mais bobas que
fossem, de forma séria...
Às vezes a gente faz isso. Começamos
nos vestindo de repórter, terno e gravata, e indo pra rua. As pessoas não nos
conheciam, o que causava surpresa. Depois, começaram a nos reconhecer. E a
gente descobriu que botando a fantasia escapava do mal humor. Conhecendo a
gente ou não, estando no Brasil ou nos EUA, as pessoas identificam logo que é
humor. E quando a gente vai falar, já estão com um sorriso na boca. Foi uma
descoberta. Mas tanto o figurino como o formato serão discutidos.
O formato é o de menos, podem até
fazer um bloco em cada formato. Isso garantiria a variedade.
A gente experimentou uma coisa
inteiramente nova que é contar uma historinha no programa da Amazônia, onde um
era índio, o outro um repórter seqüestrado, os outros saíam procurando. Isso funcionou
muito. A gente botou nos dois primeiros blocos e o Ibope mostrou uma audiência
enorme. Esse tipo de programa nos assustava muito principalmente por não sermos
atores, mas foi superlegal.
E você não pensa em fazer um
curso de ator?
Não conseguiria aprender (risos).
Nem mesmo com você, Chico...
Claro que conseguiria, Bussunda. Representar
é a arte de não representar. Claudinha Abreu estava morta de medo nas gravações
de Tieta e eu disse: “Faz menos!” Sou naturalista no modo de representar. Quando
se erra pra mais é a catástrofe. Pra menos, não incomoda.
Quando a gente foi pra frente da
câmera e resolveu fazer do nosso programa uma sátira do jornalismo, era um
pouco pela frustração que trazíamos da TV Pirata. Quando escrevíamos as matérias
para TV em que os atores eram repórteres, eles reclamavam. Luiz Fernando
falava: “É a décima vez que boto bigode, tiro bigode, boto careca pra mudar a
cara dos jornalistas.” Pra eles, esses papéis não eram desafiadores. Então resolvemos
fazer nós mesmos, pois não somos atores, não temos o mesmo compromisso.
As pessoas pensam que somos
inimigos. Não sei por quê. Nunca falei mal da Casseta. Pelo contrário. Eu me
lembro da primeira vez em que o Cláudio Paiva e o Paulo Ubiratan leram o texto
da TV Pirata pro Daniel (Filho), pro (Carlos) Manga e pra mim. Quando acabou,
ficou um silêncio como se alguém dissesse: “Seu time comprou o Júnior Baiano.” Fui
o único que falou: “Dá pé. O problema é que eles não têm prática de TV.” Levei
450 disquetes pra Petrópolis e fiz o trabalho de copy desk que durou 45 dias. Os
melhores textos eram de vocês. Agora sempre defendi a tese de que não podia ser
representado só por um grupo de 10 atores, mas sim aberto a toda a geração de
novos atores de humor...
Foi uma falha da Globo não ter
mantido esse espaço, ainda que não fosse no horário nobre. O Pirata viveu um
ciclo e todos os atores da primeira fase estão aí estourados: Débora Bloch,
Regina Casé, Guilherme Karan, Diogo Vilela, Cláudia Raia... Foi um espaço que
se abriu e que juntou a gente que vinha de jornaizinhos alternativos com a
galera do besteirol. Foi um grande encontro.
O Brasil nunca produziu tantos
humoristas e comediantes como hoje. Tenho na minha casa 120 fitas de
humoristas. Deles, uns 50 você pode botar no ar o horário que quiser...
E quase todos do Ceará, Né? (risos)
A maioria. E olha que não tenho
fita do Ciro Gomes (risos). Um quadro que vocês podiam lançar no Fantástico é
Qual é a sua?. Pega um cara e pergunta qual é a dele. Todos vocês fazem a
entrevista, e depois o cara faz o número dele. Nessa poderiam lançar gente como
Falcão, Tiririca, João Neto, João Cláudio... Não se interessam em ver essas
fitas?
Tem também o Espanta Jesus? (risos)
Ele é bom, mas tem que mudar de nome. Quem sabe Espanta Roberto Marinho?
(risos) Ano passado reclamávamos que existiam poucos programas de humor. Não há
dúvida de que se abriu um leque de programação, embora o espaço para o autor
que está começando continue pequeno. Mas o humor foi aquecido. Tem o programa
da Regina, o nosso, o teu, a Praça, o Sai de baixo...
Mudando de assunto, foi difícil
tocar o Planeta Diário?
Tivemos a revista durante quase
10 anos. Quando começou o programa da Globo, pensamos que venderíamos muito
mais. Achávamos que o programa ia nos dar um salariozinho e que viveríamos da
renda da revista. Em resumo: a revista acabou e teve gente que era fã do
programa e nunca soube da existência da revista. Outro dia saiu uma crítica do
nosso livro na Veja que dizia: “Quem diria, eles também sabiam escrever.”
Aí vai uma idéia: uma geração
dura 25 anos. O que foi feito há 30 anos hoje é novo de novo. Se vocês
relançarem a revista, com 30 páginas de coisas já idas, e 18 páginas de
novidades, ela fica inteiramente nova.
Mas é o que estamos tentando
fazer com nossos livros. Na verdade, esse último livro, A volta ao mundo do Casseta e Planeta tem muita novidade, pois é
sobre as viagens que fizemos com o programa. Mas os outros livros foram coletâneas
atualizadas. Vendemos em torno de 20 mil exemplares por livro, o que para
Brasil é um ótimo número. Mas agora mudamos para a editora Objetiva com o
objetivo de vender mais. (risos)
Na minha opinião, a crítica de TV
é sem sentido. Vai um programa pro ar na terça-feira e na quinta sai uma crítica
esculhambando o programa. Mas eu já gostei quando o vi na terça. Ou então, eu
odiei e a crítica faz milhões de elogios. Das duas formas ela se sai como
idiota.
Costumo brincar que o artista é vítima
dos seguintes estágios: quando ninguém te conhece, a crítica enche a tua bola; é
só ficar conhecido para começar a falar mal. Quando está muito bem, a crítica pára
de falar. E quando estourou de sucesso dizem que você virou viado (risos)
Não cheguei nessa fase ainda. Pra
mim pega mal, tenho sete filhos. Agora, sabe de uma coisa, parei de brigar. Confesso
que sempre adorei uma briga. Cada vez que brigo ponho pra fora o advogado que não
fui e queria ser. Mas cheguei à conclusão de que não se resolve nada brigando,
embora seja o meu divertimento preferido.
Parei de brigar cedo. Detesto. Dou
uma boiada para sair da briga.
Brigar, agora, só combinado
(risos). Sempre briguei pelos humoristas. O Jô (Soares) e o Renato (Aragão)
nunca deram uma palavra. Resolvi fingir que sou PT (Partido dos Telectuais). Só
tem intelectual no PT, trabalhador mesmo que é bom... Você é petista?
Não sou nada hoje em dia, mas não
concordo com você. Existem trabalhadores no PT. Mas as ideologias acabaram e
hoje voto é nas pessoas.
Deixa pra lá. Falemos de humor:
concorda que só há duas variantes, o engraçado e o sem graça?
Claro. O humor que faz sucesso é
o humor bom. Embora hoje existam programas com tipos de humor diferentes: o da
Regina, que não é escrachado mas é superlegal, tem o teu, que dispensa comentários,
o da gente, que faz uma coisa diferente em cima do jornalismo, a Comédia da
vida privada, que é pra outro público, o Sai de baixo, parecido com a Comédia
da vida privada só que bem popular. Mas a qualidade continua sendo essencial
pro sucesso.
O Sai de baixo, que está no ar como grande novidade, é a manifestação
primeira do humor no mundo, que foi na Comedia dell´Arte. Esse humor de situação,
que já esteve presente na Família Trapo, Grande Família e outros programas, é a
prova de que em piada não precisa ser nova.
Uma das coisas que mais gosto de
fazer é pegar uma piada velha e reciclar. Por exemplo, aquela do “você conhece
o Mário?”, mais velha que não sei o quê, fez o maior sucesso na Itália. Chegamos
pra um policial e perguntamos: conhece o Mário, aquele que te ha carcato atrás do armário...
Costumo dizer que piada não tem
dono feito passarinho e não tem idade feito Hebe Camargo e Tônia Carrero
(risos). Mudando de assunto, as Olimpíadas de 2004 são uma olim piada?
Não acho piada, não. Acho bom
porque entra dinheiro. O Rio cresceria muito com as Olimpíadas, e a cidade é
uma das mais lindas do mundo mesmo. Se no Rio há o problema da bala perdida, em
Roma existe a máfia.
Mas a questão é se temos dinheiro
pra bancar. Uma Copa do Mundo seria mais viável.
Mas a coisa não tem jeito. É mais
do que provável que a iniciativa privada se seduza a criar essa
infra-estrutura. Passei em Barcelona um ano antes das Olimpíadas, a cidade
parecia ou que estava em guerra ou que era governada pelo César Maia. E hoje
dizem que está uma das cidades mais lindas do mundo. É bom demais pra gente ser
do contra.
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