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O que é arte em tempos de narrativa visual? A importância do descaso ao belo.

Habibi: uma obra-prima de Craig Thompson
Por: Franz Lima.
Quadrinhos são uma forma de arte incomum aos padrões mais conservadores. Valendo-se de múltiplas formas de expressão cultural (música, pintura, cinema, literatura, entre outros), a Nona Arte ganha espaço e adeptos com e decorrer dos anos. Anteriormente vitimada pelo preconceito, a quadrinização é hoje um dos meios mais eficientes para se levar as outras artes a um público antes inacessível. 
Jae Lee e Isanove dando vida ao universo da Torre Negra


A verdade por trás dessa massificação dos quadrinhos está embasada em dois fatores intimamente correlatos: a liberdade que os autores têm e a necessidade cada vez mais crescente pelo visual como forma de comunicação. A tradicional frase 'uma imagem vale mais do que mil palavras' nunca esteve tão em uso.
Moebius: complexidade e surrealismo


Valendo-se de todos os fatores acima citados, os quadrinhos evoluem a olhos vistos. Não vou me estender sobre as novas tecnologias, incluindo as histórias que mais parecem um filme, pois tem roteiros fortes e bem construídos, como também imagens em movimento e com som. Mas a estrutura básica que caracteriza uma História em Quadrinhos permanece incólume ao passar dos anos. A simplicidade mágica de uma trama contada em quadrinhos é superior ao desgaste de outros tipos de entretenimento. Ler HQ é uma das mais comuns formas de adentrar universos que nem mesmo o cinema pode proporcionar. 
A Turma da Mônica tem traços simples e é plena de lições muito bonitas


Mas é chegada a hora de irmos ao cerne da questão: as histórias em quadrinhos precisam de imagens marcantes, cheias de beleza e apuro técnico ou, pelo contrário, podem impressionar e marcar gerações com arte simples, por vezes até incomum?
Non Sequitur


A resposta a tal questionamento pode parecer simples, porém é necessário ter cautela nesse assunto.


Há obras de grande impacto visual como as produzidas por Moebius, Alex Ross ou Jae Lee. Há outras de visual mais simples que, mesmo assim, mantêm a atenção do leitor. Outras, entretanto, são absolutamente repulsivas, dotadas de arte duvidosa e cruas, quase primitivas. Baseando-se no que citei, parece bem fácil escolher as obras mais agradáveis ao visual, já que os quadrinhos são basicamente imagens, correto?


Errado!
Piratas: Laerte no auge do sarcasmo


Já fui surpreendido inúmeras vezes por obras quase toscas que eram absolutamente magníficas pelo conjunto em si. Em contrapartida, um também grande números de outras tramas, ricamente ilustradas, decepcionaram por seu conteúdo raso e fraco. 

Diferentemente de um quadro, uma pintura, as HQ precisam da perfeita fusão de narrativa visual (o que não implica em dizer beleza) com a narrativa literária. Unidas, letras e imagens ganham vida e cativam, mas não há necessidade de realismo ou perfeição nas ilustrações, bastando que nossos olhos sejam banhados por imagens capazes de aguçar a criatividade ao ponto de darmos vida àquilo que está diante de nós. Quadrinhos são uma ferramenta por muito tempo marginalizada, talvez até desprezada, mas que tem um potencial educacional ímpar. Do leitor de um livro é possível surgir um escritor. Do espectador de um filme pode nascer um cineasta. Porém é do leitor de HQ que tudo isso e muito mais pode aparecer, principalmente se levarmos em conta que a imagem só está estática para quem não mergulha na Nona Arte. Ao apreciador de quadrinhos é facultada uma gama de possibilidades, já que ele vê, cria sua própria trilha sonora, movimenta personagens, inspira cada aroma que a ficção permite. Entre um quadrinho e outro há tanto infinito quanto entre um ponto e outro.

Percebi isso há muito tempo e, como escritor, bebo dessa fonte sem temor. Mas é importante frisar que não seleciono gibis (como foram chamados por muito tempo) pela capa, brilho ou beleza. Leio pela descoberta, em nome do prazer de adentrar em universos que, do contrário, nunca iria imaginar. Por à frente dos meus olhos aqueles personagens parados é o ponto de partida para o início do exercício imaginativo. De um simples gibi eu começo uma jornada que não se encerra com o fechar da obra. Há a perpetuação daquele mundo em minha mente.  
Demolidor de David Mazzucchelli

Não recue diante de uma obra aparentemente crua, rústica. Mesmo as imagens mais simples podem conter, unidas à narrativa, lições que irão se perpetuar por vidas. Afinal, quando amamos algo temos o impulso de querer passar isso para os que amamos.

E foi assim que meus filhos ingressaram em outros mundos comigo. E chegará o dia no qual continuarão a viajar sozinhos com as memórias de histórias vividas ao lado de deuses, heróis, vilões e uma infinidade de criaturas que ganharam vida e importância através da persistência de um velho leitor de quadrinhos.

Missão cumprida!

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