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Entrevista com Leonel Caldela - via Cranik.

Ademir Pascale, administrador do site Cranik.com (onde já participei de uma coletânea), entrevistou o escritor Leonel Caldela, um dos mais recentes contratados da Fantasy - Casa da Palavra.

ENTREVISTA:
Ademir Pascale: Primeiramente, agradeço por ceder essa entrevista. Para iniciarmos, gostaria de saber quais foram as suas principais influências e o seu início para o meio literário.

Leonel Caldela: Eu agradeço muito pelo interesse. Bem, eu tenho muitas influências literárias, mesmo que algumas não fiquem assim tão evidentes no meu trabalho. Na linguagem e estilo de narrativa, procuro me espelhar no Rubem Fonseca, que considero um mestre, e no Clive Barker (este também teve influência nas partes mais puxadas para o terror). O Bernard Cornwell é uma referência quase obrigatória para quem escreve cenas de ação, e cada livro dele é uma aula de como construir personagens cativantes. Outros favoritos são Bukowski, Dalton Trevisan e George R. R. Martin.
Poderia dizer que o meu começo no meio literário foi a oficina de criação literária do prof. Assis Brasil. Foi lá que aprendi quase tudo que sei sobre escrever, e onde surgiram vários contatos e oportunidades. Mas o primeiro livro mesmo veio quando mostrei um conto para o J.M. Trevisan (então editor assistente da revista Dragão Brasil) e fui convidado para escrever uma trilogia de romances no cenário de RPG originado na revista, Tormenta.

Ademir Pascale: Seu fascínio por jogos de RPG renderam os livros O Inimigo do Mundo, O Crânio e o Corvo e O Terceiro Deus. Dos três, qual mais lhe marcou e por quê?

Leonel Caldela: Cada um marcou de sua própria forma. OIdM foi o primeiro, o momento de experimentar, descobrir como escrever uma narrativa longa, cometer erros que (espero) não vão se repetir. Enquanto eu estava escrevendo, tomou a maior parte da minha vida, os personagens viraram quase uma obsessão. Já OCeoC eu considero o melhor da trilogia. Por isso, marcou como um amadurecimento, uma obra com maior preocupação estética e literária. OTD foi exaustivo, em todos os sentidos. Por ser muito longo, ter muitas linhas narrativas e afetar muito o cenário de RPG Tormenta, foi um trabalho (para mim) gigantesco. Terminar OTD foi um alívio enorme, uma tarefa que, durante muito tempo, eu não conseguia visualizar sendo cumprida.

Leonel Caldela
Ademir Pascale: Você acabou de lançar O Caçador de Apóstolos (Jambô). Fale mais sobre este livro para os nossos leitores.

Leonel Caldela: O Caçador de Apóstolos é meu primeiro livro sem ligação alguma com um cenário de RPG ou um universo pré-construído. A história ocorre em um mundo fictício e trata de fantasia medieval, mas não há ainda nenhum outro material sobre o cenário. Tentei aproximar o mundo fantástico do livro ao máximo da Idade Média real (com alguns anacronismos propositais), num primeiro momento. Na verdade, no início do livro, alguns leitores chegam a esquecer que não se trata do nosso mundo! Mas, à medida que a história progride, os elementos fantásticos vão se mostrando aos poucos, cercados de superstição e incerteza. Há fragmentos de objetos considerados milagrosos, advindos de uma civilização que existiu há muito tempo. Há pessoas tidas como santas ou milagrosas, e criaturas consideradas demoníacas. E há até mesmo algo próximo da ficção científica, com uma pegada de influência new weird (subgênero representado, entre outros, por China Miéville no exterior).
A história gira em torno de uma guerra civil contra a teocracia que governa o mundo conhecido. Houve uma Voz de Urag (espécie de papisa) que se rebelou contra a Igreja e foi profetizada como corrupta. E houve também profecias sobre os guerreiros que surgiriam para vencê-la. Mas boa parte disso são mentiras e conspirações, e o leitor não sabe o quanto dessa história pregressa é real e o quanto é fabricação para manipular o povo. Tudo é narrado por um escritor e dramaturgo que tem ligações com o passado e presente da trama.

Ademir Pascale: O Caçador de Apóstolos possui 408 páginas. Por favor, poderia falar como surgiu a ideia inicial, as pesquisas e os dias escrevendo essa obra, assim como a publicação pela editora Jambô?

Leonel Caldela: A ideia inicial veio de uma cena isolada, que imaginei fora de qualquer contexto. Aos poucos, comecei a questionar mais sobre a cena, imaginar quais eram suas causas e consequências, e a trama surgiu a partir daí. Mas a cena em si foi descartada! Essa ideia já tem vários anos, surgiu logo depois de O Inimigo do Mundo, mas eu não me considerava pronto para encará-la. Depois do fim da trilogia, achei que estava na hora de finalmente me dedicar a O Caçador de Apóstolos.
Fiz pesquisa sobre o período da Idade Média, a igreja da época e outras religiões (de vários períodos históricos). Algumas séries de documentários foram muito importantes nessa fase (mesmo que às vezes fossem meras fontes de “factoides” e curiosidades para ajudar a criar o clima medieval). Os dias de escrita em si foram rotina: produção de manhã e à tarde, concentração na obra, revisão e envio de capítulos para o editor. Mais ou menos o processo de trabalho que já acontecia nos outros romances.
Já a publicação foi a parte mais fácil. A Jambô confia no meu trabalho, e eu sabia que teria a chance de publicar OCdA pela editora. Antes mesmo de começar a escrever isso já estava aprovado. O editor-chefe, Guilherme Dei Svaldi, não me deixa sossegar, e sempre pergunta quando o próximo vai sair!

Ademir Pascale: Como está sendo a receptividade dos leitores por se tratar de uma obra ligada a assuntos religiosos?

Leonel Caldela: Para falar a verdade, eu esperava (ou temia) mais controvérsia. Não ouvi nenhuma reclamação ou indignação do público, mesmo mexendo o tempo todo nesse tema espinhoso. A receptividade tem sido muito boa, a maior parte dos leitores parece estar gostando. Uma exceção: um veículo preferiu nem mesmo receber o livro para resenha, por causa da temática religiosa. Mas tudo com muito respeito. O que é ótimo, porque minha intenção nunca foi desrespeitar a fé de ninguém — talvez questionar o conceito de fé em geral.


Pausa para uma breve descrição do livro "O Caçador de Apóstolos".
Haverá dois soldados. Um de Deus e um do diabo.

Foi o que disse a segunda profecia. A primeira falou da corrupção da Voz de Urag, da época em que a líder da Igreja trairia seu povo e faria a guerra contra os cardeais. As profecias avisaram sobre a Voz de Urag, a Voz de Deus, tornada maligna, uma serva do inferno. O surgimento de dois heróis para derrubá-la. E a queda de um deles, revelado como o Soldado do Diabo.

Mas e se for tudo mentira?


O Caçador de Apóstolos apresenta um mundo fantástico, medieval e opressivo, imerso no turbilhão de uma guerra civil. A Igreja governa a terra, mas está sem liderança após a corrupção e morte da última Voz. Os rebeldes lutam numa batalha desesperada contra o domínio da teocracia, contra a própria religião. Uma nova messias se ergue, para levar seu pequeno povo à capital e ocupar seu lugar de direito, cumprindo a vontade de Deus. O fantasma de uma civilização há muito arruinada paira sobre tudo, com seus mistérios e os fragmentos de seu minério divino. Um perplexo escritor observa e narra, misturando verdade e ficção, revelando e escondendo seu próprio papel nos acontecimentos.

O Caçador de Apóstolos é uma história de guerra, religião, idealismo, tragédia e teatro. Um embate entre a fé e o cinismo, o pensamento e a obediência. Em que a verdade e a mentira podem vir da voz dos homens, da voz dos santos — ou da Voz de Deus.


Ademir Pascale: Como os interessados deverão proceder para adquirir O Caçador de Apóstolos?

Leonel Caldela: Até onde eu sei, o livro está disponível em todas as grandes redes de livrarias — Cultura, Saraiva, Travessa... Nem sempre na prateleira de todas as filiais, mas disponível. Também em lojas de quadrinhos e RPG (como Moonshadows, Itiban e várias outras) e em muitas livrarias independentes. Também é possível comprar pelo próprio site da Jambô (ou nas lojas físicas, para quem é de Porto Alegre). Pela Jambô, o frete é grátis.

Ademir Pascale: Qual a sua opinião referente aos leitores brasileiros para o seu gênero de publicação? Existe algum incentivo que gere ainda mais o interesse nesses leitores?

Leonel Caldela: Eu acho que existe um interesse muito grande em literatura de gênero, especialmente fantasia — mas muitas vezes o público não conhece as publicações disponíveis. Parece que muita gente vai na livraria à procura de “um livro medieval” ou “algo tipo O Senhor dos Anéis”, ou ainda “algo parecido com o Cornwell”, e não sabe que existem muitas opções, tanto nacionais quanto traduzidas. Isso não é culpa do público — o crescimento do gênero e das editoras que trabalham com ele é gradual. Aos poucos, as obras ganham mais espaço em prateleira, mais divulgação e mais notoriedade. Além, é claro, de mais espaço na mídia.
O incentivo aos leitores, na minha opinião, é a própria literatura voltada para a fruição (para a diversão, por falta de uma palavra melhor). Existem muitos leitores em potencial, mas nem todos, necessariamente, querem ler obras complexas e ficção mainstream o tempo todo. A literatura de gênero preza muito pelo entretenimento, por cativar o leitor. Mesmo que haja uma preocupação com o “valor literário”, em geral isso vem acompanhado de uma preocupação com o enredo. O leitor que busca entretenimento (além de erudição) na literatura encontra um material vasto na ficção de gênero.

Ademir Pascale: Quais dicas daria para os escritores em início de carreira?

Leonel Caldela: Leiam de tudo. Não fiquem presos aos gêneros que já conhecem e apreciam. Preocupem-se com a linguagem e a narrativa tanto quanto com a história. Encontrem satisfação no ato de escrever, no quebra-cabeças das palavras, mesmo com um enredo simples. Encarem a profissão de escritor (na medida do possível) como qualquer outra. Ou seja: estudem, pratiquem, trabalhem duro. Não sejam levados pelo ar “romântico” da profissão. Convençam-se de que não existe “inspiração”; existe trabalho.

Ademir Pascale: Existem novos projetos em pauta? Se sim, quais?

Leonel Caldela: Deus Máquina, segunda e última parte da história iniciada com O Caçador de Apóstolos, deve sair em 2011. Além disso, há planos para mais um ou dois romances no mesmo cenário, mas em uma época completamente diferente, com outros personagens. Tenho também planos para um romance de ficção histórica (um projeto muito grande, que vai exigir muita pesquisa) e um de ficção urbana contemporânea (mainstream). Ainda não há datas para esses.

Ademir Pascale: Como os leitores poderão saber mais sobre você e suas obras?

Leonel Caldela: Estou devendo a mim mesmo e aos leitores ter um site próprio, ou mesmo um blog... Por enquanto, o site da Jambô Editora (www.jamboeditora.com.br) traz as notícias sobre as minhas publicações. Quem usa o Twitter também pode me seguir (@leonelcaldela).

Perguntas Rápidas:

Um livro: A Grande Arte, de Rubem Fonseca.
Um(a) autor(a): Só um? Está bem, Rubem Fonseca.
Um ator ou atriz: Talvez sejam atores muito limitados, mas fico vidrado no carisma do John Wayne e da Lucy Lawless.
Um filme: E aí, meu irmão, cadê você? (O título em português realmente não faz justiça).
Um dia especial: Vou ignorar todas as respostas românticas e dizer que o dia em que O Caçador de Apóstolos foi publicado (e, ao mesmo tempo, os meus vizinhos barulhentos e hostis se mudaram) foi um dos melhores da minha vida.
Um desejo: Um dia escrever uma obra importante, que seja estudada e que contribua para a literatura como um todo.

Ademir Pascale: Deseja encerrar com mais algum comentário?

Leonel Caldela: Agradeço pelo interesse! Obrigado e um grande abraço também aos leitores.
Entrevista feita em julho de 2010.
 
Informações sobre Ademir Pascale

E-mail: Ademir@cranik.com
Twitter: @ademirpascale
Site: www.cranik.com

Entrevista lançada neste blog de acordo com os termos de seu autor. Agradeço à oportunidade de divulgar o trabalho de mais um autor nacional.

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