Capítulo III
Livros falando?!
Nossa, se não fosse o clima tão denso isso iria parecer cena de
algum filme da Disney sobre um adulto que acaba entrando, no sentido
verdadeiro da palavra, num livro, todavia devido à falta de cores e
às ideias subjacentes nesta trama isso estava mais para um filme que
seria exibido somente para adultos e na qual talvez algum adolescente
com inteligência suficiente, o material necessário para produzir
uma identidade falsa e uma dose de boa sorte conseguiria enganar o
homem que confere os ingressos na entrada da sala de exibição.
Diogo, mesmo sem saber, obedecia a uma lógica que poderia ser
chamada de “lógica do louco são”, segundo esta lógica quando
você estava em uma situação de extrema loucura e na qual qualquer
tentativa de compreender o levasse à querer comprar um revólver,
enfiar o cano em sua boca quase até tocar na garganta e disparar,
ficando vivo ainda alguns segundos para saborear a pólvora, sua
mente deveria simplesmente aceitar as coisas tais como elas estavam
se apresentando, pois tentar resistir iria foder sua mente da forma
mais brutal possível, seria como fritar o seu cérebro enquanto
ratos entravam pelo seu umbigo e devoravam tudo que poderia ter
dentro de você! Acreditem lutar contra o inseto da loucura que
cavava sua cabeça às vezes é só um aquecimento para o grande ato,
talvez um assassinato em massa, um atentado terrorista, os jornais
mostravam direto casos em que o inseto da loucura se nutriu da mais
deliciosa crueldade humana, pois se tratando de crueldade o ser
humano nunca teve necessidade do diabo, pois o próprio diabo se
assustaria com algumas coisas. Vendo o curso que a humanidade tomava
Diogo pensava que se o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus, então não queria sequer ouvir ou falar além do necessário
sobre esse arquiteto mal sucedido em seu projeto.
Os passos de Diogo
ao fundo da livraria continuavam, em meio a todos os pensamentos que
se desenvolviam durante a aproximação. O que haveria por trás do
balcão? Até quando essa loucura iria durar? Agora batia uma séria
dúvida qual vida era uma alucinação, essa na qual está agora ou a
outra onde constantemente os dias se arrastam como alguém na agonia
da morte, tentando clamar por socorro durante seus últimos suspiros?
Por enquanto essa era uma dúvida que não tinha como ser sanada,
teria de aguardar ainda algum tempo. Algumas partes do burburinho dos
livros agora podiam ser compreendidas, tratava-se do que estava
escrito em alguns deles, sabia disto porque já leu uma considerável
fração dos conteúdos que as vozes narravam.
Chegou ao balcão,
mas estava tudo normal. Olhou para a porta dos fundos e viu uma porta
com uma placa, como aqueles de escritórios com o nome de quem a
ocupa, contudo nesta não estava o nome de alguém, mas outra palavra
muito mais intrigante, na plaquinha dourada estava escrito “Fim”.
A maçaneta tinha o formato de um rosto, contudo uma poeira cobria-o
impossibilitando o reconhecimento. Diogo colocou sua mão esquerda
por baixo da camisa de uma banda chamada “Talking
Heads”,
camisa que parecia agora uma piada planejada para este instante dos
livros falantes, e usou-a para limpar a maçaneta. Ela era dourada,
será que não era banhada à ouro? Ele abaixou-se até ficar com os
olhos na altura da fechadura e tentou reconhecer o rosto na maçaneta.
Sem dúvida alguma era algo familiar, sabia porque a resposta para
“De
quem é esse rosto?” estava
lentamente se delineando em sua boa até que em um instante
inesperado disse:
— Esse é o rosto
de Dionísio! – já o havia visto em um livro sobre mitologia grega
que tinha comprado há cerca de três meses atrás e que estava
guardado na sua gaveta de roupas agora – Por que isso aqui?
Huuummm, vamos ver se está aberta – não estava, tentou arromba-la
forçando-a e dando encontrões, mas nada funcionou – Nos filmes
isso parece bem mais fácil.
Como suas tentativas
de abrir aquela porta falharam achou melhor partir logo para a
próxima alternativa, procurar a chave. Havia claramente a
possibilidade de que esta chave nem estive aqui, mas mesmo assim
decidiu que começar a procurar pelas gavetas do balcão já era um
bom inicio. Começou a revirar algumas caixas que estavam guardadas
atrás do balcão, mas tudo que tinham eram registros das vendas,
exemplares de livros que ainda seriam colocados nas estantes, jornais
antigos, revistas que não foram compradas e seriam devolvidas para
os seus fornecedores e um monte de papelada que não eram muito
interessantes para ele. Ao todo tinha quatro gavetas para investigar,
resolveu começar pela que ficava mais próxima à caixa
registradora. Puxou-a, mas ela estava trancada, testou as demais e
elas também estavam trancadas. Teria de procurar algum objeto duro o
suficiente para bater nas gavetas e abri-las. Achou que no balcão da
cafeteria poderia ter alguma coisa útil. Dessa vez seus passos foram
mais tranquilos, até mesmo arriscou assobiar uma música dos
Beatles. Logo acho um objeto que sem dúvida alguma iria servir, um
taco de baseball caído no chão perto da mesa onde ficava a
cafeteira. O taco era de metal, percebeu ao tocá-lo e sentir o frio
retido nele. Talvez algum dos responsáveis pelo atendimento na parte
de cafeteria era fã de baseball ou algum cliente ocasional pode ter
esquecido em cima de uma mesa, quantas vezes ele mesmo quase
esquecera coisas suas por ai? A leitura constantemente o jogava em
outros mundos, muito mais interessantes do que o seu próprio, e qual
a importância, por exemplo, de um MP3 quase esquecido quando havia
criaturas a serem enfrentadas, mistérios a serem solucionado e
muitas coisas que o conduziam à uma felicidade maior do que a sua
vida demonstrava ser capaz de produzir? Dane-se o MP3! Com os taco em
mãos retornou aos fundos e posicionou-se em frente à primeira
gaveta, levantou o taco e gritou com toda a força de seus pulmões:
Lascas de madeira
voaram, a adrenalina no sangue era deliciosa, talvez devesse fazer
isso mais vezes. A gaveta caiu no chão com a força do golpe,
espalhando todo o seu conteúdo. Com o taco ainda na mão direita
agachou-se e passou a averiguar quais os tesouros que estavam aos
seus pés. Papéis de estoque da livraria, bilhetes com recados, uma
calculadora, um óculos, um relógio e uma caixinha de jóias. Largou
o taco e pegou a caixinha com as duas mãos, abriu e no meio de
alguns pares de brincos, anéis e pulseiras havia uma chave prateada.
Pegou a chave e dispensou a caixa e o que nela estava guardado como
quem dispensa um chiclete mascado por minutos e já sem qualquer
vestígio do doce sabor do inicio. O conteúdo inteiro se esparramou
pelo chão, misturando-se aos papéis que já estavam por lá. A
chave não tinha singularidades, somente parecia emanar algum
encantamento que permeia objetos antigos que ao nosso toque nos
remetem aos seguintes questionamentos: Quem fez isso? Por onde ela
passou? O que aconteceu com a última pessoa que esteve com ela? Era
um ritual que consistia em tentar adivinhar toda a história dessa
chave utilizando o toque como um condutor. Passado esta etapa do
ritual voltou-se para a porta e com a chave na mão esquerda chegou
ainda mais perto da porta do “Senhor
Fim”.
Olhou ao redor para ter certeza de que não era observado ou filmado,
pois pensava que de repente alguém poderia aparecer e acusá-lo de
estar tentando roubar o estabelecimento. Ninguém apareceu e o
estabelecimento sequer tinha câmeras de vigilância. Introduziu a
chave na fechadura, sentiu que seu corpo se arrepiou todo, deu o
primeiro giro, seu coração começou a acelerar e parecia que sua
garganta secou de um segundo para o outro, deu o segundo giro, sua
respiração ficou mais difícil como se estivesse no ponto mais alto
da terra, deu o terceiro giro, seu corpo parecia estar ficando mais
leve, sua pele etérea, deu o quarto giro, agora seu corpo parecia
pesar pelo menos umas 20 toneladas, sua respiração ficou acelerada,
como a de um viciado em abstinência, seu coração começou a bater
tão lentamente que o fez duvidar se ainda estava vivo e a respiração
rápida não era alguma atitude adotada para dissimular a própria
morte. Um clic
foi
produzido e uma fresta de luz saiu da porta. Depois de reunir a
quantidade de coragem suficiente para ver o que estava lá escancarou
a porta e viu que era um enorme corredor pintado de preto com um
sistema de iluminação igual ao de minas de carvão. Um enorme cabo
preto estava pendurado na parede do lado esquerdo e a cada 2 metros
tinha uma lâmpada.
— Tem alguém ai?
– disse hesitante, sem saber se realmente queria ou não escutar
uma resposta.
Olhou para o chão e
viu os azulejos vermelhos ao longo dele, eram de um vermelho sangue.
Ao cruzar a soleira da porta ela se fechou atrás de si e ele foi
lançado ao chão por um forte vento. Por um reflexo felino colocou
as mãos à frente, impedindo que seu rosto batesse com toda a força
da queda no chão, muito provavelmente quebrando seu nariz. Antes
mesmo de se levantar olhou para a direção da porta por onde entrou
para confirmar o que seus ouvidos escutaram realmente a porta estava
fechada, mas abri-la não seria problema alguma já que já estava
destrancada.
— Merda de vento!
Quase bato com meu rosto no chão! – disse extremamente irritado.
Pôs a mão direita
sobre a porta e tentou girar a maçaneta, mas ela não se deslocou ao
menos um centímetro. Segurou com ambas as mãos e não surtiu
efeito. Distanciou-se dois metros, veio correndo e bateu com o ombro
direito contra a porta e ainda assim nada, só conseguiu mesmo foi
ficar com uma dor no ombro e uma raiva ainda maior. Agora lembrou-se
da chave, mas onde estava a chave?
— Onde ela está?
Podia jurar que a trouxe comigo – vasculhou os seus bolsos da
calça, olhou o chão próximo de onde caiu, deitou-se perto da porta
para olhar pela fresta debaixo da porta, mas nem sinal daquela
maldita chave.
Já que estava preso
nesse corredor resolveu segui-lo e ver onde acabava. Andou pelo que
pareceu ser horas, mas não tinha como confirmar isso porque seu
relógio tinha parado e somente agora notou. O comprimento anormal do
corredor não parecia perturbá-lo, não em face de todo o resto. Sua
jornada se revelou útil, no final do corredor havia uma porta de
madeira com uma maçaneta já enferrujada. Instantaneamente abriu a
porta que dava para um aposento escuro onde o único foco de luz era
um abajur sobre uma mesa há 6 metros da soleira da porta, de costas
para a entrada tinha uma daquelas cadeiras de escritório com rodinha
nos pés e na cadeira estava alguém concentrado em uma tarefa,
deduziu isso porque a pessoa nem ao menos fez algum gesto que
indicasse que percebeu a entrada de um desconhecido.
— Ah, finalmente
vejo alguém! Olá, senhor, você poderia me ajudar? – disse com um
sorriso de orelha a orelha agora, não que costumasse ser simpático
com desconhecidos, mas por causa do alivio gerado por ver que não
era o único por ai.
— Ah, Diogo...você
não deveria estar aqui agora! Houve um erro em algum ponto, mas será
corrigido! – disse irritado, mas controladamente a pessoa que não
era iluminada pela luz.
— Como você sabe
meu nome? Quem é você?! – disse com um olhar de espanto.
— Ah, isso nem
deveria estar acontecendo. Você está querendo sair do controle, mas
eu não irei permitir. Não serei como muitos outros – um clarão
então cegou Diogo que sentiu como se sua carne fosse rasgada e
depois juntada novamente.
— Ahhhhhhhhhhh –
gritou Diogo que estava com o rosto completamente suado e sentiu uma
dor indescritível.
— O que foi que te
acontece? – ouviu uma voz feminina perguntar.
Olhou ao redor e viu
que estava no ônibus e que agora ele estava parado, todos os
passageiros tinham se aproximado da catraca para poderem testemunhar
o que estava acontecendo com o jovem que do nada começou a gritar.
— Estou bem, estou
bem – declarou ainda atordoado.
— Olha, chegamos
no ponto em que você disse que queria descer. Vai descer mesmo?
— Sim, vou.
Obrigado por ter me avisado – foi saindo, mas ainda teve tempo de
ouvir comentários das pessoas se indagando se ele era louco, usuário
de droga ou numa pior possibilidade os dois ao mesmo tempo.
Desceu do ônibus e
ali estava novamente a livraria, mas com várias pessoas lá dentro e
a cidade estava normal, com seu fluxo constante e interminável de
pessoas e veículos. A típica respiração urbana.
CONTINUA...
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